Heloísa Matos Lins

"As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura. Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos: Que não são embora sejam. Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não têm cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata." (Eduardo Galeano, Os ninguéns. O livro dos abraços, 1991)

 

Projetos de pesquisa em andamento

 

Direitos (não/) humanos e a participação política das crianças: intervenções literárias e pedagogias decoloniais

Em diálogo com as equipes gestora e docente de alguns centros de educação infantil municipais da cidade de Campinas/SP,  da região Norte de Portugal (Minho) e da região Nordeste da Argentina, a pesquisa pretende realizar intervenções literárias, em torno das diferenças, dos Direitos humanos, dos chamados direitos não-humanos/ da natureza e dos direitos das crianças nesse ínterim (dignidades pós-abissais). Baseada numa Pedagogia decolonial e na Sociologia da Infância - especificamente enfrentando o apagamento de algumas diferenças, mais acentuadamente sobre elementos relativos à interseccionalidade (da ordem do capitalismo, colonialismo e patriarcado), a pesquisa pretende dar atenção à voz das crianças e oportunizar uma experiência inventiva de docentes (também em formação, como mediadores desses processos). Busca realizar uma breve análise contrastiva e cartográfica em torno das experiências da educação em direitos (não/)humanos em Portugal, no Brasil e Argentina, quanto às instituições de Educação Infantil participantes.

 

Literatura infantil e direitos humanos:  cartografia sobre as diferenças nos catálogos editoriais

Considerando uma perspectiva pós-estruturalista acerca das diferenças, da infância e a análise contrastiva sobre as concepções universalista e a agonística em torno dos direitos humanos, o projeto de pesquisa configura-se como uma cartografia no território dos catálogos editoriais brasileiros e da veiculação/circulação de verdades/saberes/poderes sobre “o outro”, “o diferente” apresentado pelas editoras de livros às crianças. Neste contexto, o estudo parte da atenção ao atual cenário sócio-político nacional conservador, como obstáculo adicional à potencialidade humanizadora, com fortes investidas e ameaças à pluralidade na escola (e para além dela) e como tal cenário pode impactar na produção de leitura literária infantil. O embasamento teórico traz em perspectiva a leitura literária como forma de (re)construção de si e também como um direito humano. Considera, ainda, a “administração simbólica” da infância, constituída por orientações normativas, jurídicas e não jurídicas, explícitas ou não, particularmente no que se refere aos materiais de leitura destinados às crianças. Em linhas gerais, a pesquisa tem como objetivo central a realização de um levantamento cartográfico nos catálogos editoriais a respeito da produção literária para a infância e os direitos humanos, com ênfase nas concepções sobre as diferenças que são construídas, veiculadas, apresentadas (ou não) à infância (os chamados “regimes da verdade” em torno das diferenças como formas de poder também sobre as crianças). Como resultados esperados, poderão ser colocados em evidência/problematizados pela pesquisa alguns dos modos contemporâneos para a construção e representação da infância e dos direitos infantis, no que se refere à abertura (ou não) à pluralidade e alteridade como constitutivas de nossa humanidade, para a construção (mesmo que inicialmente utópica) de um mundo menos injusto, por meio da leitura literária.